viernes, 24 de julio de 2009

34 anos de socialismo



Manuel Alegre de Melo Duarte na hora da despedida, trinta e quatro anos depois de ter entrado pela primeira vez na Assembleia da República como deputado, Manuel Alegre ouviu elogios da esquerda à direita ao seu espírito crítico, coragem e frontalidade.
"Saio da Casa da Democracia fiel à República, à liberdade, à democracia e ao socialismo. E, sobretudo, fiel a Portugal e ao povo português" reafirmou o velho diputado poeta no seu último discurso na AR, aplaudido de pé.

Na data do 23 de julho Alegre dirigou-se a os deputados:

Foi uma honra ter sido deputado durante 34 anos. Saio por decisão pessoal. Mas saio tal como entrei: combatendo pelas minhas ideias e por uma República moderna, em que a democracia política se conjugue com a democracia económica, a democracia social, a democracia cultural e os novos direitos civilizacionais, entre os quais o direito ao ambiente e à beleza. Uma democracia em que os direitos políticos sejam inseparáveis dos direitos sociais consagrados na Constituição. Foi esse o sonho dos deputados constituintes dos diferentes quadrantes ideológicos e políticos. Tal como há 34 anos, é minha convicção que o esvaziamento dos direitos sociais implicará sempre uma discriminação dos direitos políticos e um empobrecimento da democracia.

Pertenço a uma geração que nasceu em ditadura. Assisti às farsas eleitorais e à existência de uma caricatura de parlamento. Andei numa escola primária onde todos os dias se faziam prelecções sobre os males que a política, os partidos e o parlamentarismo tinham feito ao país. Essa cultura populista, anti-democrática e anti-parlamentar renasce por vezes sob outras formas. A Assembleia da República é o mais exposto de todos os órgãos de soberania, o mais escrutinado, aquele que é mais fácil combater. Se alguma coisa aprendi ao longo destes anos, foi que de cada vez que o Parlamento cede ao populismo, este não agradece, reforça-se.

Houve muitos portugueses e portuguesas que lutaram, sofreram a prisão, a tortura e o exílio para que houvesse em Portugal um parlamento democrático. Alguns deram a vida para que hoje seja possível termos uma Assembleia da República livremente eleita pelo povo. Essa é uma responsabilidade que deve inspirar aqueles que vão ser eleitos. Honrar e prestigiar o parlamento é honrar e prestigiar a democracia. Por isso é necessário combater o divórcio crescente entre os cidadãos e a política. O que só é possível com uma intransigente ética republicana, com espírito de serviço público, com transparência e fidelidade à palavra dada perante os eleitores.

Neste último dia recordo o primeiro dia em que aqui entrei. Recordo Francisco Salgado Zenha a entregar-me uma pequena brochura intitulada “A mais bela função do mundo”. Tal como então, continuo a pensar que a função de deputado é a mais bela função do mundo.

Saúdo o Presidente da Assembleia da República, os membros da mesa e os Vice-Presidentes com quem estabeleci laços de leal cooperação e amizade. Cumprimento todos os líderes de todas as bancadas, com um fraterno abraço ao Presidente do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, o meu camarada Alberto Martins. Saúdo os companheiros da Constituinte, Jaime Gama, Mota Amaral, Miranda Calha, Jerónimo de Sousa. Saúdo todas as senhoras e senhores deputados. Agradeço a colaboração e a dedicação de todos os funcionários da Assembleia da República, em especial dos que mais de perto comigo trabalharam. Cumprimento todos os senhores jornalistas pelo seu papel essencial na difusão dos trabalhos parlamentares. Peço desculpa de qualquer falta que por acção ou omissão possa ter cometido. Recordo com emoção as grandes figuras que por aqui passaram, de Adelino Amaro da Costa a Francisco Sá Carneiro, Mário Soares, Salgado Zenha, Álvaro Cunhal, Carlos Brito, entre muitos outros.

Entrei aqui como deputado do Partido Socialista com o sonho de pela primeira vez na história construir uma democracia socialmente avançada. Tal como então continuo a acreditar que esse projecto, sobretudo perante a crise mundial, é não só possível como cada vez mais necessário e urgente. Como há 34 anos, saio da Casa da Democracia fiel à República, à liberdade, à democracia e ao socialismo. E, sobretudo, fiel a Portugal e ao povo português.

Obrigado camarada e até breve.