jueves, 1 de marzo de 2007

Em defesa da razão



Nildo Viana, uma voz certa do Brasil.

Hoje a razão vem sendo questionada. É preciso compreender os motivos que faz com que ela seja negada contemporaneamente. O irracionalismo, baseado em ideologias científicas ou filosóficas ou, ainda, em concepções místicas ou religiosas, é, na verdade, manifestação das tendências regressivas na sociedade contemporânea.
O irracionalismo tem como fonte inspiradora os antigos irracionalistas do século XIX (Nietzsche, por exemplo) e as tendências ideológicas que resgatam o pensamento destes ideólogos, (o pós-estruturalismo, também chamado "pós-modernismo"). Outra fonte inspiradora se encontra no misticismo e no chamado "novo espiritualismo" que vem ganhando espaço social nos últimos anos. Os pós-estruturalistas negam a razão e declaram a necessidade de seu abandono. Esta ideologia é, na verdade, a expressão de uma contra-revolução cultural preventiva que simplesmente troca a crítica da razão instrumental, realizada pela Escola de Frankfurt, por uma crítica da razão em geral. Assim, com a aparência de criticidade e em alguns casos até de "esquerda", os ideólogos pós-estruturalistas negam a razão e a teoria, sem fazer distinções. Eles retomam teses irracionalistas e criticam o racionalismo, incluindo o marxismo. O racionalismo é uma ideologia burguesa e metafísica e o seu amálgama com o marxismo, que muitos ditos marxistas aceitam de bom grado, serve aos interesses intrínsecos do capitalismo contemporâneo, virando moda e sendo uma arma do capital contra as tentativas de transformação social. Trata-se, no fundo, de uma visão neoconservadora. Outra tendência é o misticismo e novo espiritualismo que se instaura através do ecletismo ou da transformação do sucesso e dinheiro no grande objetivo religioso. Os novos vendilhões das mais variadas seitas e igrejas transformam os valores burgueses de ascensão social, competição, busca por status, poder e riqueza, como o supremo objetivo da vida. Os místicos misturam várias religiões e concepções (de Platão, passando por Nietzsche, até chegar a Jung), em alguns casos até mesmo literatura de auto-ajuda, e passam a justificar e legitimar as relações sociais existentes, alguns pregando veladamente concepções racistas, neonazistas, preconceituosas, partindo de sua suposta superioridade espiritual ou de raça.
A razão instrumental, sem dúvida, está a serviço da dominação capitalista. Porém, isto não se aplica à teoria ou à razão em geral. Ao evitar esta distinção, os ideólogos apenas buscam retirar a teoria e a razão da luta dos explorados e dominados para facilitar a reprodução da dominação e exploração. O que gera a adesão a esta nova onda de irracionalismo é, por um lado, a miséria psíquica reinante atual, que transformou a "geração coca-cola" em "geração prosac", e, por outro, a pobreza e miséria real de algumas pessoas. A depressão, o stress, a infelicidade, a pobreza, o desemprego, juntamente com a falta de uma perspectiva de mudança, seja individual ou coletiva, faz com que as pessoas se apeguem a crenças irracionais como forma de sobrevivência psíquica ou de esperança. Estes dois elementos são reforçados pelos modismos ideológicos acadêmicos e pela ascensão da extrema-direita e revigoramento do fascismo e neonazismo.
Hoje, o processo de repressão social (que atinge os indivíduos sob todas as formas), o controle cada vez mais intensivo dos indivíduos e trabalhadores, tal como as suas emoções (a ideologia da "inteligência emocional"), a video-vigilância, a exigência cada vez maior de produtividade e rendimento, o reino absoluto dos valores do sucesso e da riqueza (tal como na "teologia da prosperidade", "auto-ajuda", etc.), e o produtivismo acadêmico, promovem uma alienação total, que pode gerar uma recusa total ou uma reação alienada. Isto fortalece tendências regressivas que podem levar a uma nova barbárie. O irracionalismo (e o culturalismo) reforça estas tendências ao pregar a recusa da razão e o relativismo, como se tudo fosse cultural e relativo e, portanto, sem necessidade de discussão. A comunicação humana é, desta forma, assassinada, pois esta só pode ocorrer via razão. A comunicação através do confronto ou acomodação de valores e sentimentos é inviável, pois gera a tendência ao conflito irracional ou ao conformismo de rebanho. O capitalismo hiper-repressivo sufoca o indivíduo nas relações de trabalho e na aquisição de bens básicos pela maioria da população é, ao mesmo tempo, um capitalismo aparentemente hiper-liberal, pois libera o indivíduo para prazeres hedonistas, sádicos e pervertidos, enquanto satisfação substituta ou "válvula de escape". Estas contradições podem gerar, como resultado negativo, uma nova era de fascismo e, como resultado positivo, a transformação social. Esta último tem como condição de possibilidade o reconhecimento da necessidade da teoria e da razão humanista e, por conseguinte, sua defesa se torna também uma necessidade.

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